Temos dias em que não queremos levantar da cama, dormimos mal porque ficamos pensando na vida e nas dificuldades de viver, ou queremos ficar quietos sem conversar com ninguém ou fazer nada.

Faz parte de nossa natureza nos isolarmos em alguns momentos para refletirmos ou descansarmos; mas e quando estes momentos são mais constantes do que os que estamos de bem com a vida, com disposição para o que vier?

Talvez nesses momentos vivenciemos a palavra mais usada neste século, ou melhor, conhecida como o mal do século, a depressão!

Ela é vivenciada na totalidade do ser humano, no corpo, na mente, nos sentimentos. Não devemos distanciá-la de crises e vivências. Temos que ir fundo dentro dela e compreendermos qual é a nossa depressão, por que estou assim.

Os sintomas da depressão são muito variados, indo desde as sensações de tristeza, passando pelos pensamentos negativos até as alterações da sensação corporal como dores.

São comuns os relatos em que a pessoa sente que sua vida está passando sem que ela faça nada, como se estivesse sentada na areia da praia vendo sua vida passar como um navio no mar, distante.

O mais importante é saber como a pessoa se sente, como ela continua organizando a sua vida (trabalho, cuidados domésticos, cuidados pessoais com higiene, alimentação, vestuário).

Além de medicamentos, a pessoa com depressão precisa de um acompanhamento terapêutico, no qual será percebida como além do rótulo depressão, mas como uma pessoa que de alguma forma está desajustada em seu tempo e que necessita falar e perceber seus sentimentos.

É tempo de travessia

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”.     Fernando Pessoa

Faz algum tempo que ando pensando nesta citação de Fernando Pessoa, ela traz muito do caminhar de meus pacientes, e porque não ousar mais e dizer que o meu próprio caminhar.

Estamos em constantes transformações, neste minuto algo em nós muda e continuará mudando, então porque nos apegamos tanto as coisas, sejam elas pessoas, roupas, acessórios, imóveis, carros, idéias, pensamentos, crenças. Porque vivemos muitas vezes de maneira tão superficial, os temas que nos distanciam de nossa essência, de quem realmente somos.

Ficamos constantemente vivendo pelo outro, seja por uma idéia, um desejo, uma necessidade de pertencer, e esquecemos do que queremos, sentimos, pensamos. O encontro com nossa essência nem sempre é algo fácil, mas é primordial para nos conhecermos melhor, trocarmos o que não queremos mais, o que não nos cabe mais, o que não faz (ou nunca fez) sentido algum para nossas escolhas de vida, para sermos quem quisermos e pudermos ser.

Devemos olhar para nossos sentimentos, nossas escolhas e dar novos significados a elas, trocando quando não faz mais sentido, buscando assim dar novo sentido a nossa vida, e atravessar o caminho assumindo as escolhas que fazemos.

No consultório me deparo muitas vezes com pessoas que perderam o sentido de suas próprias vidas, que deixaram que os outros (pais, conjugês, chefes, amigos) escolhessem seus caminhos, não por preguiça ou por falta de conhecimento, mas sim, por tentarem se ajustar ao “mundo”, por tentarem pertencer a algo, quando na verdade, devemos escolher e assumir o que nos faz ser realmente o que desejamos ser, o que nos completa, para não corrermos o risco de vivermos a margem de nós mesmos, o que pode gerar muitos males físicos e emocionais (depressão, pânico).

Há no processo terapêutico um forte encontro do paciente com ele mesmo, onde consegue sentir, perceber e nomear o que não faz mais sentido em sua vida, por isso muitas vezes o vazio, a angustia, o choro, a melancolia, são tão presentes em nossos encontros. Mas há depois, a alegria deste reencontro consigo mesmo, o resignificar de suas escolhas, a liberdade de poder escolher e ser responsável por tudo o que quer e sente para si, e assumir sozinho os novos rumos de sua própria travessia, “com roupas novas”.

Esta é a mágica da nossa travessia interior, não deixem de fazê-la, é difícil, mas nos encanta e liberta!